Cracóvia, terça-feira, 16 de abril de 2013 – 14 horas
Apresentação
da nova edição do “Diretório para o ministério e a
vida dos presbíteros”
e do livro “Padres da modernidade”
aos Responsáveis pela formação permanente do Clero na
Polônia
Intervenção
do
Card. Mauro Piacenza
Prefeito da Congregação para o Clero
Caríssimos Irmãos e amigos,
o interesse pela formação
e a vida do nosso Clero deve ser sempre o ápice das nossas preocupações, tendo
a consciência de que por meio dela nós poderíamos exercitar uma verdadeira e
própria cura animarum diante do
inteiro Povo santo de Deus.
É, de fato, por meio de
um sacerdote bem formado, forte na fé, sólido na espiritualidade e na piedade,
culturalmente estruturado, moralmente fiel e pastoralmente zelante que é possível,
como Pastores da Igreja, cuidar das comunidades e de todas as pessoas que o
Senhor nos confia.
É principalmente sob
esta ótica, que poderíamos classicamente definir como “formação dos
formadores”, que a Congregação para o Clero publicou a nova edição, atualizada
e ampliada em relação àquela de 1994, do Diretório para o ministério e a vida
dos presbíteros, acolhendo, na medida do possível, a grande contribuição do
Magistério do Beato João Paulo II e do Santo Padre emérito Bento XVI,
especialmente durante o Ano Sacerdotal, que muito nos ajudou a refletir sobre a
identidade dos presbíteros, reorientando-a.
Estruturarei a presente
intervenção em três pontos fundamentais, correspondentes às três partes do
Diretório, apontando respectivamente para a identidade do presbítero, para a
espiritualidade sacerdotal e para a formação permanente. Reservarei um aceno
final ao texto que também é apresentado hoje: “Padres na modernidade”, que
pretende ajudar os Irmãos na análise cultural e social de nosso tempo, para uma
resposta o mais adequada possível e, sobretudo, fundada mais sobre a fé do que
sobre as estratégias humanas.
Por que um Diretório? Não
poderia o Diretório dar a impressão de ser um instrumento superado, na época da
consciência e da liberdade, tão alérgica a toda forma de “direção”?
Na verdade, o espírito
com o qual se acolhe o Diretório deve ser duplo: de um lado ele, de fato,
pretende oferecer uma espécie de panorama, um amplo horizonte, ao qual sempre
se pode voltar o olhar para descobrir e redescobrir a direção do próprio
caminho sacerdotal, evitando perder-se nas milhares de correntes que a cultura
contemporânea propõe; de outro, salvas as devidas e necessárias distinções,
deve ser acolhido quase como uma regra de vida, um sustento ao complexo e
progressivo maturar da liberdade e da fidelidade pessoal, um pouco como os
estatutos e as regras dos vários institutos religiosos, que indicam as razões
de uma vida e, com isso, os caminhos concretos a percorrer para alcançar a
meta. Poderíamos dizer, então, que por trás de um “nome antigo” se esconde uma
realidade sempre nova, como sempre novo é, em toda geração, o coração do homem
(cfr. Bento XVI, Spe salvi, 24), que
precisa ser encontrado pelo Mistério e educado por aquela companhia
sobrenatural, que é a Igreja.
1. A identidade
do Presbítero
Não me deterei neste
momento a percorrer novamente toda a teologia do sacerdócio, a qual certamente
vocês conhecem bem. Gostaria, mais do que isso, de focar a atenção sobre dois
elementos que, na minha humilde opinião, sobretudo hoje, necessitam de grande
atenção: as dimensões eclesiológica e comunional do presbítero.
1.1 Dimensão eclesiológica
“Cristo, origem permanente e
sempre nova da salvação, é o mistério fontal de que deriva o mistério da
Igreja, seu Corpo e sua Esposa, chamada pelo seu Esposo a ser instrumento de
redenção. Por meio da missão confiada aos Apóstolos e aos seus Sucessores,
Cristo continua a dar a vida à sua Igreja. É nessa que o ministério dos
presbíteros encontra o seu locus natural e cumpre a sua missão.”
(Diretório, 13).
Prescindindo de tal locus natural, o sacerdote é simplesmente
inconcebível. Ele nasce na Igreja e para a Igreja; mais precisamente, o
sacerdote nasce de Deus, através da Igreja, para servir aos homens, ordenados
para a Igreja e, através dela, para a comunhão com Deus.
A dimensão eclesial,
longe de ser redutível a formas de autoreferência ou horizontalismo, indica a
profunda inserção do mistério sacerdotal na permanência da ação salvífica de
Cristo no tempo. Se a Igreja renova a presença de Cristo na história, até a sua
consumação, os sacerdotes são o instrumento para que tal renovação ocorra, para
que o Reino de Deus continue a ser anunciado, a misericórdia oferecida e o pão
da vida repartido.
Fundamental em tal
dimensão eclesiológica do ministério é a participação de cada sacerdote na
esponsalidade de Cristo, definido pela Pastores
dabo vobis: “Servo e Esposo da Igreja” (PDV,
3). Como Cristo ama a Igreja, a ponto de dar a si mesmo por ela, assim cada
sacerdote é chamado, exatamente pela participação do mesmo Sacerdócio de Cristo
– e, portanto, radicando tal atitude na relação com ele –, a amar a Igreja sua
esposa, dando cotidianamente e generosamente a vida por ela.
Dar a vida pela Igreja
é, no entanto, uma abstração se o Corpo da Igreja não for capaz de assumir a
forma do concreto Povo de Deus a nós confiado. Depois de cinquenta anos,
devemos considerar totalmente superadas as polarizações entre Corpo de Cristo e
Povo de Deus na definição da Igreja. As duas dimensões devem ser constantemente
integradas, a partir do momento em que não há um “outro” Corpo em relação ao
concreto Povo de Deus, que ele chama e convoca a si, e em que justamente a convocação
sobrenatural por parte do Altíssimo faz deste Povo um Corpo, uma etnia sui generis – como amava defini-la o Servo de Deus Paulo VI –, que
vive e subsiste exatamente pela força da relação sobrenatural com o Senhor, que
continuamente a convoca.
Servir a Igreja, então,
significa colaborar com Deus para a edificação do seu Corpo, para a convocação
do seu Povo, o qual tem sempre o direito de escutar o anúncio do Evangelho, de
receber a divina misericórdia e de nutrir-se do Pão eucarístico. A mesma
obediência às leis e às normas da Igreja não está, em nenhum caso, em oposição
à solicitude com o Povo. Pelo contrário, a encarna naquela humilde consciência
que cada sacerdote deve ter, de não ser nunca ele singularmente o autor da
missão, mas de ser um simples instrumento dentro de um Corpo maior, que acolhe
e exalta a sua criatividade, a qual somente na fidelidade torna-se realmente
fecunda.
Isso foi recordado com
força pelo Papa Francisco, afirmando que: “A unção que recebemos é para ungir o
Povo” (Homilia para a Missa do Crisma,
28 de março de 2013). Pessoalmente, atingiu-me muito essa imagem, sobretudo
quando o Santo Padre mencionou a verificação de tal unção na alegria com a qual
as pessoas saem das nossas celebrações. Se essas forem reais unções, isto é,
real anúncio da boa notícia, germina no coração e no rosto dos nossos fiéis uma
felicidade real.
Sabemos bem, caríssimos
Irmãos, como somente a consciência de ter recebido a unção pode nos estimular,
cotidianamente e constantemente, a doá-la. Se às vezes é possível encontrar
alguns sacerdotes que se tornaram um pouco “secos”, incapazes de ungir, isto ocorre
porque muito provavelmente eles perderam a própria consciência de terem sido
ungidos. O primeiro dever dos pastores e dos responsáveis pela formação inicial
e permanente do Clero é, então, exatamente este: reavivar constantemente a
memória da unção, na certeza de que dela derivam toda fecundidade e agilidade
missionária.
Sabemos, além disso,
como a dimensão eclesiológica do ministério carrega, dentro de si, aquela que
podemos definir como “a universalidade do Sacerdócio”. Cada presbítero, de
fato, está na Igreja, mas também diante da Igreja,
e ele “pertence ‘in modo immediato’ à Igreja
universal [...] e a incardinação não
deve fechar o sacerdote numa mentalidade restrita e particularista, mas abri-lo
ao serviço de outras Igrejas, porque toda a Igreja é a realização particular da
única Igreja de Jesus Cristo” (Diretório,
15).
Emerge claramente como a
concepção correta da dimensão eclesiológica do ministério abre,
necessariamente, ao caráter missionário, que é parte constitutiva da existência
do sacerdote; um missionarismo que, interpretado nas dimensões mais diversas,
aparece cada vez mais necessário se queremos que a nova evangelização não
permaneça só como um slogan demagogicamente repetido, mas se torne realidade
concreta de homens e mulheres que, saudavelmente provocados pelo nosso anúncio
e o nosso testemunho, convertam-se a Cristo, mudando de vida e, de tal modo,
remodelam a sociedade e reescrevem a história.
Cada sacerdote deve ter
a plena consciência dessa realidade missionária do seu sacerdócio e deve
vivê-la em plena sintonia com a Igreja, que, como Corpo, vive na solicitude
para todos os homens, recordando, como afirmou o Beato João Paulo II, que a
nova evangelização deverá ser “nova no seu ardor, nos seus métodos e nas suas
expressões” (Discurso ao CELAM, 9 de
março de 1983, in Diretório, 21).
Não é por acaso que o
nosso Beato Papa tenha citado primeiro o ardor e só posteriormente os métodos e
as expressões da evangelização. Seria de fato totalmente inútil buscar métodos
novos e novas expressões sem ardor, sem aquela força que vem do Espírito e da
unção, sem aquela carga que continuamente e sobrenaturalmente se renova,
afundando as raízes na identidade sacerdotal.
Como afirmado explicitamente na Evangelii
nuntiandi de Paolo VI e no Motu
proprio “Porta fidei” de Bento XVI: “É dando a fé que ela se fortalece” (Diretório, 21), e todos nós,
caríssimos Irmãos Sacerdotes, sabemos como são as íntimas alegrias do
ministério, fundamentalmente ligadas ao dom da fé aos irmãos, ao encontro
autêntico das almas com Deus e ao seu retorno a Deus. Os sacerdotes, assim,
esposos da Igreja, fazem experiência de serem também autênticos padres
espirituais, não só acompanhando os irmãos no caminho de fé, mas também – e
Deus nos conceda que seja sempre mais assim – gerando a fé, através do
testemunho, da catequese, da pregação e dos sacramentos.
O ardor pela evangelização e a dimensão eclesial do
nosso ministério devem ser as razões para que, sempre com maior atenção, nos
estimulem a trabalhar sobre a nossa humanidade, sobre os nossos limites, sobre os
nosso talvez persistentes defeitos. Não é para uma mania narcisista de
perfeição ascética que devemos trabalhar sobre nós mesmos, mas pelo amor a Deus
e às almas! Para que nada em nós, na nossa condição humana, possa atrapalhar o
encontro dos homens com Deus, freando a misericórdia e a ternura acolhedora que
o Senhor quer mostrar aos seus filhos, por meio da nossa humanidade.
Nesse sentido, “os presbíteros transformam em vida
aquelas palavras do Apóstolo: “Filhinhos meus, por quem de novo sinto dores de
parto, até que Cristo seja formado em vós!” (Gal 4,19) (Diretório,
24).
Nesta ótica
eclesiológica deve ser continuamente acolhido e interpretado o exercício do munus regendi por parte dos sacerdotes.
Ele, à imitação de Cristo, é um poder que é serviço, um poder sobrenatural ao
serviço do encontro sobrenatural das almas com Deus. É um verdadeiro e próprio amoris officium, uma dedicação desinteressada
pelo bem do rebanho, a ser vivida com humildade e coerência, resistindo
constantemente à dúplice, oposta tentação: assenhorear-se do rebanho ou
distorcer a configuração de Cristo como Cabeça e Pastor; são ambas derivações
interpretativas de tipo subjetivista e não eclesial.
Em tal âmbito, é sempre
necessária a devida clareza doutrinal sobre a distinção essencial entre
sacerdócio comum e sacerdócio ministerial, na consciência, de um lado, que o
segundo tem como finalidade o exercício ao primeiro e, por outro, que somente
através da oferta dos sacerdotes, como ensina a Presbyterorum ordinis, os fiéis leigos podem eucaristicamente
render perfeita a oferta de si a Deus.
1.2 Dimensão
comunional
Se quiséssemos
individualizar um aspecto de autêntica “novidade doutrinal”, aprofundada pelo
Concílio ecumênico Vaticano II a respeito do Sacerdócio, poderíamos realmente
encontrá-lo no conceito de “comunhão sacerdotal”, que liga o sacerdote a Deus e
ao Presbítero e, de tal modo, o faz parte de um Corpo intimamente e
essencialmente unido ao Bispo, do qual não é um mero executor, mas um pessoal
cooperador.
Prescindindo da
comunhão, íntima e real, com a Santíssima Trindade – em particular com Cristo
Sacerdote – e da comunhão com a Igreja, documentada na comunhão hierárquica e
na celebração eucarística, não seria apenas difícil exercitar o ministério;
seria simplesmente impossível!
Salvas as legítimas e
enriquecedoras diferenças pessoais, de caráter e espirituais, é absolutamente
imprescindível, para o renovar-se da identidade sacerdotal e do ardor
missionário, a comunhão com a Igreja de sempre, que se documenta historicamente
na concreta comunhão com os legítimos Superiores, com o Presbitério ao qual se
pertence e com todos aqueles irmãos e aquelas irmãs que o Senhor coloca no
caminho ministerial do sacerdote.
De tal aspecto de
comunhão, que é claramente ligado à dimensão eclesiológica da identidade
sacerdotal, somente destaco o que foi afirmado no n. 40
do Diretório: “A vida comum é imagem daquela apostólica vivendi forma de Jesus com seus discípulos. Com o
dom do sagrado celibato pelo Reino dos Céus, o Senhor nos tornou membros de sua
família de um modo especial.” Em tal sentido, numa sociedade cada vez mais
secularizada, na qual nem sempre o Povo santo de Deus, também aquele mais
próximo, representa a “família” do sacerdote, a apostolica vivendi forma representa uma verdadeira e própria
possibilidade de testemunho feliz e vital, que reforça a fidelidade aos
compromissos assumidos na Ordenação sacerdotal, inclusive o celibato, e permite
uma obra de evangelização mais eficaz.
2. A
espiritualidade sacerdotal
Central na apresentação
que o Diretório faz sobre a espiritualidade do sacerdote é o binômio
“conversão-evangelização”. Nele, afirma-se como o pressuposto indispensável
para uma eficaz obra de evangelização seja o real comprometimento do sacerdote
na grande obra de permanente conversão, à qual todos os cristãos são chamados. Nesse
sentido, “o chamado à nova evangelização é antes de tudo um chamado à
conversão” (João Paulo II, Santo Domingo,
12 de outubro de 1992).
De tal pressuposto
emerge o primado da vida espiritual, entendido como o “estar com Cristo na
oração”, utilizando com sabedoria todos os instrumentos que a melhor tradição
eclesial oferece à vida do sacerdote, aos quais não é jamais permitido
acostumar-se. Recordou com incomparável luminosidade
o Papa emérito Bento XVI na homilia da Santa Missa do Crisma de 2008: “Ninguém
está tão próximo do seu senhor como o servo que tem acesso à dimensão mais privada
da sua vida. Neste sentido ‘servir’ significa proximidade, exige familiaridade.
Esta familiaridade inclui também um perigo: o de que o sagrado por nós
continuamente encontrado se torne para nós um hábito. Desaparece assim o temor
reverencial. Condicionados por todos os costumes, não deixamos de compreender o
fato grande, novo, surpreendente, que Ele mesmo está presente, nos fala, se doe
a nós. Contra este acostumar-se à realidade extraordinária, contra a
indiferença do coração, devemos lutar sem tréguas, reconhecendo sempre de novo
a nossa insuficiência e a graça que existe no fato de que Ele se entregue assim
nas nossas mãos.”
A oração, portanto, não é para o sacerdote apenas uma
obrigação a seguir, mas uma verdadeira e própria imitatio Christi: é um imitar a Cristo que reza, um imitar a Igreja que reza e um
viver a oração como pressuposto imprescindível para a comunhão.
O primado da dimensão espiritual na vida do sacerdote requer uma constante vigilância sobre o
chamado funcionalismo. “Não
é raro notar, mesmo em alguns sacerdotes, o influxo duma mentalidade que tende erroneamente
a reduzir o sacerdócio ministerial só aos aspectos funcionais. Ser padre
consistiria em realizar alguns serviços e em garantir algumas prestações de
trabalho.” (Diretório, 55).
Quem vive assim corre o
risco, realmente, como recordou o Papa Francisco, de ver o próprio óleo se tornar
rançoso e o próprio coração, amargo. Por tal razão, somente a íntima relação
com Cristo é o âmbito no qual discernir e viver toda a criatividade pastoral e
toda louvável iniciativa que tende unicamente àquele encontro pessoal e
comunitário com o Ressuscitado, que representa o núcleo essencial da nova
evangelização.
De tal núcleo deriva – e
é o segundo tema essencial da autêntica dimensão espiritual do ministério – o
viver cada serviço como real ocasião de santificação pessoal e de
fortalecimento da própria identidade.
Contrariamente ao que às
vezes se afirma, no ministério sacerdotal não há uma identidade prévia, que
apenas sucessivamente se declina nos deveres pastorais, ou uma santidade
objetiva, que possa prescindir dos mesmos. Ao contrário, é exatamente no
humilde, fiel e cotidiano exercício do ministério que cada sacerdote se vê
renovar e constantemente se configurar a própria identidade e, com essa,
fortalecer-se o caminho de ascensão e santificação. A cada Missa celebrada, o
padre é mais padre! Por cada ovelha reconduzida ao aprisco, o pastor é mais
pastor! Cresce a própria identidade de pastor e aumenta nele o perfume da
santidade, que não é diferente do bom perfume de Cristo, que perfuma também as
ovelhas.
Gostaria de fazer uma
última referência à precisa escolha metodológica realizada pelo Diretório, de
inserir a reflexão sobre o celibato sacerdotal (nn. 79-82) no interior da
espiritualidade. Longe de reduzir a obrigação do celibato a uma dimensão
arbitrária ou subjetiva, ou meramente canônica, a escolha pretende trazer à luz
como o celibato é o sinal mais eloquente da unção do Espírito e a via mais
eficaz de santificação pessoal do povo.
3. A formação
permanente
Dois são os âmbitos que
justificam e determinam a necessidade da formação permanente: aquele
antropológico e aquele histórico-cultural.
O primeiro, aquele
antropológico, nos recorda constantemente que cada um é limitado e pecador, que
o homem, criado por Deus, que viu que era uma coisa muito boa, é ferido pelo
pecado e, portanto, precisa constantemente de graças e daquelas ajudas
naturais, que favorecem o acolhimento da graça sobrenatural.
Do ponto de vista
histórico-social, as rápidas mudanças que vemos ao redor de nós, as transformações
culturais e o que a Presbyterorum ordinis
já há cinquenta anos definia como uma “situação radicalmente nova”, requerem a
humilde consciência de que a formação não é adquirida de uma vez por todas, mas
exige um itinerário permanente, o qual se traduz principalmente naquele “manter
o coração aberto”, típico de quem escuta a voz do Senhor.
Também na dimensão da formação permanente, é
fundamental o primado do sobrenatural e da graça. Com extraordinária força o
recordou o Papa Francisco, afirmando que: “Não é, concretamente, nas auto-experiências
ou nas reiteradas introspecções que encontramos o Senhor: os cursos de
auto-ajuda na vida podem ser úteis, mas viver a nossa vida sacerdotal passando
de um curso ao outro, de método em método leva a tornar-se pelagianos, faz-nos
minimizar o poder da graça, que se ativa e cresce na medida em que, com fé,
saímos para nos dar a nós mesmos oferecendo o Evangelho aos outros, para dar a
pouca unção que temos àqueles que não têm nada de nada.” (Santa Missa do Crisma, 28 de março de 2013).
A formação permanente,
então, é um verdadeiro e próprio instrumento de santificação, que a Igreja
oferece aos seus presbíteros e que estes devem acolher como necessário e
constante complemento à própria formação orgânica e completa. Também a formação
permanente, como aquela inicial, é chamada a moldar-se segundo as quatro já
clássicas dimensões: aquela humana, aquela espiritual, aquela intelectual e
aquela pastoral, com particular atenção, em nosso tempo, ao primado da formação
espiritual, resistindo a toda, sempre possível, redução intelectualista da
formação e considerando a eficácia da proposta formativa à prova concreta da
ação pastoral e do impacto sobre o povo. Essa prova não determina, entretanto,
a redução da formação permanente a “técnicas” ou “estratégias pastorais”, mas,
ao contrário, postula a sempre maior qualificação, afim que justamente a
clareza sobre a identidade e sobre a missão do sacerdote possa levar abundantes
frutos ao povo.
O primado da dimensão
espiritual, além disso, caríssimos irmãos, sobretudo responsáveis pela formação
permanente, é o que está particularmente no coração do Papa Francisco, que sabe
bem como uma real renovação da Igreja e da eficácia missionária do anúncio não
pode partir senão da renovação da dimensão espiritual e do primado por ela
concretamente reconhecido.
**********************
É este o grande
horizonte que me estimulou a recolher algumas das minhas mais significativas
intervenções dos últimos dois anos no livro “Padres na modernidade”, que
pretende oferecer um instrumento de análise, síntese e, pois bem, de formação
permanente para os sacerdotes.
De particular utilidade
na coleção publicada, parece-me adequado indicar a Lectio magistralis pronunciada em Veneza no último mês de novembro,
sobre a relação entre Igreja e modernidade, e a ampla reflexão histórica sobre
o celibato sacerdotal no ensinamento magistral dos Pontífices dos últimos dois
séculos, pronunciada em Ars.
Na primeira, foi
proposto um dos temas cruciais no próprio apelo e
celebração do Concílio Ecumênico Vaticano II.
Se somos conscientes de que
um Concílio é sempre um evento sobrenatural, guiado pela ação do Espírito, não
é possível não levar em conta que uma das instâncias, que determinou o apelo,
foi representada pelo desejo de melhor compreender a “modernidade” e tentar superar o hiato que, com ela, se desenvolveu no decorrer dos séculos. O
Papa emérito Bento XVI o recordou claramente na sua última conversa com o Clero
romano, na qual afirmou: “Sabíamos que a relação entre a Igreja e o período
moderno tinha sido, desde o princípio, um pouco contrastante, a começar do erro
da Igreja no caso de Galileu Galilei; pensava-se em corrigir este início errado
e encontrar de novo a união entre a Igreja e as forças melhores do mundo, para
abrir o futuro da humanidade, para abrir o verdadeiro progresso” (Encontro com os Párocos e o Clero da Diocese
de Roma, 14 de fevereiro de 2013).
Certamente não se propõem,
no texto, soluções definitivas nem completas, mas, depois de uma análise
histórica, filosófica e epistemológico-experiencial sobre o que é “modernidade”,
tenta-se delinear qual pode ser a relação correta da Igreja e do sacerdote com
a mesma, partindo do princípio hermenêutico performativo da Encarnação do
Verbo, à luz do qual o cristão é chamado a sempre olhar toda realidade.
Em extrema síntese –
vocês encontrarão mais no texto –, foi individualizada a estrada nobre do
encontro interpessoal como via real de superação dos desencontros ideológicos;
em definitivo, é a recuperação do concreto realismo cristão, contra todo sempre
possível reducionismo ideológico, também ao interno da vida eclesial e
sacerdotal.
Outra contribuição, à
qual apenas aceno e que amigavelmente os convido a ler, é uma reflexão
histórica, mas também – creio – profundamente ancorada sobre a beleza, sobre a
eficácia pastoral e sobre a irrenunciabilidade do celibato eclesiástico na vida
sacerdotal. Ele é acolhido e interpretado, acima de tudo, como imitatio Christi e real concretização
daquilo que anteriormente defini, com grande Tradição eclesial, apostolica vivendi forma. Não se trata
de uma norma fria, mas de uma exigência de um Amor maior, pelo qual “quem pode
entender, entenda”.
É cada vez mais
necessário, caríssimos irmãos, recuperar e fazer recuperar a todos os
sacerdotes que nos são confiados, a dimensão da pobreza virginal, que é a
virgindade no acolher a vontade de Deus mais do que a própria, virgindade no
servir aos irmãos como Deus e como a Igreja quer, mais do que segundo o próprio
e subjetivo critério, virgindade no acolher a Verdade revelada e no fazer
teologia segundo a imprescindível dimensão eclesial
de tal serviço e, por último, mas principalmente, virgindade como radical e
totalizante pertença a Deus, ao serviço do qual fomos chamados, para a nossa
santificação e a dos irmãos.
A Virgem do “sim”, cheia de graça, acompanhe o caminho
do Diretório, que com tanto amor a Congregação para o Clero procurou atualizar
e, mais modestamente, acompanhe também o caminho do texto “Padres na modernidade”.