Cracóvia, terça-feira, 16 de abril de 2013 – 14 horas

Apresentação

da nova edição do “Diretório para o ministério e a vida dos presbíteros”

e do livro “Padres da modernidade”

aos Responsáveis pela formação permanente do Clero na Polônia

Intervenção

do Card. Mauro Piacenza

Prefeito da Congregação para o Clero

 

 

Caríssimos Irmãos e amigos,

 

o interesse pela formação e a vida do nosso Clero deve ser sempre o ápice das nossas preocupações, tendo a consciência de que por meio dela nós poderíamos exercitar uma verdadeira e própria cura animarum diante do inteiro Povo santo de Deus.

É, de fato, por meio de um sacerdote bem formado, forte na fé, sólido na espiritualidade e na piedade, culturalmente estruturado, moralmente fiel e pastoralmente zelante que é possível, como Pastores da Igreja, cuidar das comunidades e de todas as pessoas que o Senhor nos confia.

É principalmente sob esta ótica, que poderíamos classicamente definir como “formação dos formadores”, que a Congregação para o Clero publicou a nova edição, atualizada e ampliada em relação àquela de 1994, do Diretório para o ministério e a vida dos presbíteros, acolhendo, na medida do possível, a grande contribuição do Magistério do Beato João Paulo II e do Santo Padre emérito Bento XVI, especialmente durante o Ano Sacerdotal, que muito nos ajudou a refletir sobre a identidade dos presbíteros, reorientando-a.

Estruturarei a presente intervenção em três pontos fundamentais, correspondentes às três partes do Diretório, apontando respectivamente para a identidade do presbítero, para a espiritualidade sacerdotal e para a formação permanente. Reservarei um aceno final ao texto que também é apresentado hoje: “Padres na modernidade”, que pretende ajudar os Irmãos na análise cultural e social de nosso tempo, para uma resposta o mais adequada possível e, sobretudo, fundada mais sobre a fé do que sobre as estratégias humanas.

Por que um Diretório? Não poderia o Diretório dar a impressão de ser um instrumento superado, na época da consciência e da liberdade, tão alérgica a toda forma de “direção”?

Na verdade, o espírito com o qual se acolhe o Diretório deve ser duplo: de um lado ele, de fato, pretende oferecer uma espécie de panorama, um amplo horizonte, ao qual sempre se pode voltar o olhar para descobrir e redescobrir a direção do próprio caminho sacerdotal, evitando perder-se nas milhares de correntes que a cultura contemporânea propõe; de outro, salvas as devidas e necessárias distinções, deve ser acolhido quase como uma regra de vida, um sustento ao complexo e progressivo maturar da liberdade e da fidelidade pessoal, um pouco como os estatutos e as regras dos vários institutos religiosos, que indicam as razões de uma vida e, com isso, os caminhos concretos a percorrer para alcançar a meta. Poderíamos dizer, então, que por trás de um “nome antigo” se esconde uma realidade sempre nova, como sempre novo é, em toda geração, o coração do homem (cfr. Bento XVI, Spe salvi, 24), que precisa ser encontrado pelo Mistério e educado por aquela companhia sobrenatural, que é a Igreja.

 

1. A identidade do Presbítero

Não me deterei neste momento a percorrer novamente toda a teologia do sacerdócio, a qual certamente vocês conhecem bem. Gostaria, mais do que isso, de focar a atenção sobre dois elementos que, na minha humilde opinião, sobretudo hoje, necessitam de grande atenção: as dimensões eclesiológica e comunional do presbítero.

 

1.1 Dimensão eclesiológica

Cristo, origem permanente e sempre nova da salvação, é o mistério fontal de que deriva o mistério da Igreja, seu Corpo e sua Esposa, chamada pelo seu Esposo a ser instrumento de redenção. Por meio da missão confiada aos Apóstolos e aos seus Sucessores, Cristo continua a dar a vida à sua Igreja. É nessa que o ministério dos presbíteros encontra o seu locus natural e cumpre a sua missão.” (Diretório, 13).

Prescindindo de tal locus natural, o sacerdote é simplesmente inconcebível. Ele nasce na Igreja e para a Igreja; mais precisamente, o sacerdote nasce de Deus, através da Igreja, para servir aos homens, ordenados para a Igreja e, através dela, para a comunhão com Deus.

A dimensão eclesial, longe de ser redutível a formas de autoreferência ou horizontalismo, indica a profunda inserção do mistério sacerdotal na permanência da ação salvífica de Cristo no tempo. Se a Igreja renova a presença de Cristo na história, até a sua consumação, os sacerdotes são o instrumento para que tal renovação ocorra, para que o Reino de Deus continue a ser anunciado, a misericórdia oferecida e o pão da vida repartido.

Fundamental em tal dimensão eclesiológica do ministério é a participação de cada sacerdote na esponsalidade de Cristo, definido pela Pastores dabo vobis: “Servo e Esposo da Igreja” (PDV, 3). Como Cristo ama a Igreja, a ponto de dar a si mesmo por ela, assim cada sacerdote é chamado, exatamente pela participação do mesmo Sacerdócio de Cristo – e, portanto, radicando tal atitude na relação com ele –, a amar a Igreja sua esposa, dando cotidianamente e generosamente a vida por ela.

Dar a vida pela Igreja é, no entanto, uma abstração se o Corpo da Igreja não for capaz de assumir a forma do concreto Povo de Deus a nós confiado. Depois de cinquenta anos, devemos considerar totalmente superadas as polarizações entre Corpo de Cristo e Povo de Deus na definição da Igreja. As duas dimensões devem ser constantemente integradas, a partir do momento em que não há um “outro” Corpo em relação ao concreto Povo de Deus, que ele chama e convoca a si, e em que justamente a convocação sobrenatural por parte do Altíssimo faz deste Povo um Corpo, uma etnia sui generis – como amava defini-la o Servo de Deus Paulo VI –, que vive e subsiste exatamente pela força da relação sobrenatural com o Senhor, que continuamente a convoca.

Servir a Igreja, então, significa colaborar com Deus para a edificação do seu Corpo, para a convocação do seu Povo, o qual tem sempre o direito de escutar o anúncio do Evangelho, de receber a divina misericórdia e de nutrir-se do Pão eucarístico. A mesma obediência às leis e às normas da Igreja não está, em nenhum caso, em oposição à solicitude com o Povo. Pelo contrário, a encarna naquela humilde consciência que cada sacerdote deve ter, de não ser nunca ele singularmente o autor da missão, mas de ser um simples instrumento dentro de um Corpo maior, que acolhe e exalta a sua criatividade, a qual somente na fidelidade torna-se realmente fecunda.

Isso foi recordado com força pelo Papa Francisco, afirmando que: “A unção que recebemos é para ungir o Povo” (Homilia para a Missa do Crisma, 28 de março de 2013). Pessoalmente, atingiu-me muito essa imagem, sobretudo quando o Santo Padre mencionou a verificação de tal unção na alegria com a qual as pessoas saem das nossas celebrações. Se essas forem reais unções, isto é, real anúncio da boa notícia, germina no coração e no rosto dos nossos fiéis uma felicidade real.

Sabemos bem, caríssimos Irmãos, como somente a consciência de ter recebido a unção pode nos estimular, cotidianamente e constantemente, a doá-la. Se às vezes é possível encontrar alguns sacerdotes que se tornaram um pouco “secos”, incapazes de ungir, isto ocorre porque muito provavelmente eles perderam a própria consciência de terem sido ungidos. O primeiro dever dos pastores e dos responsáveis pela formação inicial e permanente do Clero é, então, exatamente este: reavivar constantemente a memória da unção, na certeza de que dela derivam toda fecundidade e agilidade missionária.

Sabemos, além disso, como a dimensão eclesiológica do ministério carrega, dentro de si, aquela que podemos definir como “a universalidade do Sacerdócio”. Cada presbítero, de fato, está na Igreja, mas também diante da Igreja, e ele “pertence ‘in modo immediato’ à Igreja universal [...] e a incardinação não deve fechar o sacerdote numa mentalidade restrita e particularista, mas abri-lo ao serviço de outras Igrejas, porque toda a Igreja é a realização particular da única Igreja de Jesus Cristo” (Diretório, 15).

Emerge claramente como a concepção correta da dimensão eclesiológica do ministério abre, necessariamente, ao caráter missionário, que é parte constitutiva da existência do sacerdote; um missionarismo que, interpretado nas dimensões mais diversas, aparece cada vez mais necessário se queremos que a nova evangelização não permaneça só como um slogan demagogicamente repetido, mas se torne realidade concreta de homens e mulheres que, saudavelmente provocados pelo nosso anúncio e o nosso testemunho, convertam-se a Cristo, mudando de vida e, de tal modo, remodelam a sociedade e reescrevem a história.

Cada sacerdote deve ter a plena consciência dessa realidade missionária do seu sacerdócio e deve vivê-la em plena sintonia com a Igreja, que, como Corpo, vive na solicitude para todos os homens, recordando, como afirmou o Beato João Paulo II, que a nova evangelização deverá ser “nova no seu ardor, nos seus métodos e nas suas expressões” (Discurso ao CELAM, 9 de março de 1983, in Diretório, 21).

Não é por acaso que o nosso Beato Papa tenha citado primeiro o ardor e só posteriormente os métodos e as expressões da evangelização. Seria de fato totalmente inútil buscar métodos novos e novas expressões sem ardor, sem aquela força que vem do Espírito e da unção, sem aquela carga que continuamente e sobrenaturalmente se renova, afundando as raízes na identidade sacerdotal.

Como afirmado explicitamente na Evangelii nuntiandi de Paolo VI e no Motu proprio “Porta fidei” de Bento XVI: “É dando a fé que ela se fortalece” (Diretório, 21), e todos nós, caríssimos Irmãos Sacerdotes, sabemos como são as íntimas alegrias do ministério, fundamentalmente ligadas ao dom da fé aos irmãos, ao encontro autêntico das almas com Deus e ao seu retorno a Deus. Os sacerdotes, assim, esposos da Igreja, fazem experiência de serem também autênticos padres espirituais, não só acompanhando os irmãos no caminho de fé, mas também – e Deus nos conceda que seja sempre mais assim – gerando a fé, através do testemunho, da catequese, da pregação e dos sacramentos.

O ardor pela evangelização e a dimensão eclesial do nosso ministério devem ser as razões para que, sempre com maior atenção, nos estimulem a trabalhar sobre a nossa humanidade, sobre os nossos limites, sobre os nosso talvez persistentes defeitos. Não é para uma mania narcisista de perfeição ascética que devemos trabalhar sobre nós mesmos, mas pelo amor a Deus e às almas! Para que nada em nós, na nossa condição humana, possa atrapalhar o encontro dos homens com Deus, freando a misericórdia e a ternura acolhedora que o Senhor quer mostrar aos seus filhos, por meio da nossa humanidade.

Nesse sentido, “os presbíteros transformam em vida aquelas palavras do Apóstolo: “Filhinhos meus, por quem de novo sinto dores de parto, até que Cristo seja formado em vós!” (Gal 4,19) (Diretório, 24).

Nesta ótica eclesiológica deve ser continuamente acolhido e interpretado o exercício do munus regendi por parte dos sacerdotes. Ele, à imitação de Cristo, é um poder que é serviço, um poder sobrenatural ao serviço do encontro sobrenatural das almas com Deus. É um verdadeiro e próprio amoris officium, uma dedicação desinteressada pelo bem do rebanho, a ser vivida com humildade e coerência, resistindo constantemente à dúplice, oposta tentação: assenhorear-se do rebanho ou distorcer a configuração de Cristo como Cabeça e Pastor; são ambas derivações interpretativas de tipo subjetivista e não eclesial.

Em tal âmbito, é sempre necessária a devida clareza doutrinal sobre a distinção essencial entre sacerdócio comum e sacerdócio ministerial, na consciência, de um lado, que o segundo tem como finalidade o exercício ao primeiro e, por outro, que somente através da oferta dos sacerdotes, como ensina a Presbyterorum ordinis, os fiéis leigos podem eucaristicamente render perfeita a oferta de si a Deus.

 

1.2 Dimensão comunional

Se quiséssemos individualizar um aspecto de autêntica “novidade doutrinal”, aprofundada pelo Concílio ecumênico Vaticano II a respeito do Sacerdócio, poderíamos realmente encontrá-lo no conceito de “comunhão sacerdotal”, que liga o sacerdote a Deus e ao Presbítero e, de tal modo, o faz parte de um Corpo intimamente e essencialmente unido ao Bispo, do qual não é um mero executor, mas um pessoal cooperador.

Prescindindo da comunhão, íntima e real, com a Santíssima Trindade – em particular com Cristo Sacerdote – e da comunhão com a Igreja, documentada na comunhão hierárquica e na celebração eucarística, não seria apenas difícil exercitar o ministério; seria simplesmente impossível!

Salvas as legítimas e enriquecedoras diferenças pessoais, de caráter e espirituais, é absolutamente imprescindível, para o renovar-se da identidade sacerdotal e do ardor missionário, a comunhão com a Igreja de sempre, que se documenta historicamente na concreta comunhão com os legítimos Superiores, com o Presbitério ao qual se pertence e com todos aqueles irmãos e aquelas irmãs que o Senhor coloca no caminho ministerial do sacerdote.

De tal aspecto de comunhão, que é claramente ligado à dimensão eclesiológica da identidade sacerdotal, somente destaco o que foi afirmado no n. 40 do Diretório: “A vida comum é imagem daquela apostólica vivendi forma de Jesus com seus discípulos. Com o dom do sagrado celibato pelo Reino dos Céus, o Senhor nos tornou membros de sua família de um modo especial.” Em tal sentido, numa sociedade cada vez mais secularizada, na qual nem sempre o Povo santo de Deus, também aquele mais próximo, representa a “família” do sacerdote, a apostolica vivendi forma representa uma verdadeira e própria possibilidade de testemunho feliz e vital, que reforça a fidelidade aos compromissos assumidos na Ordenação sacerdotal, inclusive o celibato, e permite uma obra de evangelização mais eficaz.

 

2. A espiritualidade sacerdotal

Central na apresentação que o Diretório faz sobre a espiritualidade do sacerdote é o binômio “conversão-evangelização”. Nele, afirma-se como o pressuposto indispensável para uma eficaz obra de evangelização seja o real comprometimento do sacerdote na grande obra de permanente conversão, à qual todos os cristãos são chamados. Nesse sentido, “o chamado à nova evangelização é antes de tudo um chamado à conversão” (João Paulo II, Santo Domingo, 12 de outubro de 1992).

De tal pressuposto emerge o primado da vida espiritual, entendido como o “estar com Cristo na oração”, utilizando com sabedoria todos os instrumentos que a melhor tradição eclesial oferece à vida do sacerdote, aos quais não é jamais permitido acostumar-se. Recordou com incomparável luminosidade o Papa emérito Bento XVI na homilia da Santa Missa do Crisma de 2008: “Ninguém está tão próximo do seu senhor como o servo que tem acesso à dimensão mais privada da sua vida. Neste sentido ‘servir’ significa proximidade, exige familiaridade. Esta familiaridade inclui também um perigo: o de que o sagrado por nós continuamente encontrado se torne para nós um hábito. Desaparece assim o temor reverencial. Condicionados por todos os costumes, não deixamos de compreender o fato grande, novo, surpreendente, que Ele mesmo está presente, nos fala, se doe a nós. Contra este acostumar-se à realidade extraordinária, contra a indiferença do coração, devemos lutar sem tréguas, reconhecendo sempre de novo a nossa insuficiência e a graça que existe no fato de que Ele se entregue assim nas nossas mãos.”

A oração, portanto, não é para o sacerdote apenas uma obrigação a seguir, mas uma verdadeira e própria imitatio Christi: é um imitar a Cristo que reza, um imitar a Igreja que reza e um viver a oração como pressuposto imprescindível para a comunhão.

O primado da dimensão espiritual na vida do sacerdote requer uma constante vigilância sobre o chamado funcionalismo. “Não é raro notar, mesmo em alguns sacerdotes, o influxo duma mentalidade que tende erroneamente a reduzir o sacerdócio ministerial só aos aspectos funcionais. Ser padre consistiria em realizar alguns serviços e em garantir algumas prestações de trabalho.” (Diretório, 55).

Quem vive assim corre o risco, realmente, como recordou o Papa Francisco, de ver o próprio óleo se tornar rançoso e o próprio coração, amargo. Por tal razão, somente a íntima relação com Cristo é o âmbito no qual discernir e viver toda a criatividade pastoral e toda louvável iniciativa que tende unicamente àquele encontro pessoal e comunitário com o Ressuscitado, que representa o núcleo essencial da nova evangelização.

De tal núcleo deriva – e é o segundo tema essencial da autêntica dimensão espiritual do ministério – o viver cada serviço como real ocasião de santificação pessoal e de fortalecimento da própria identidade.

Contrariamente ao que às vezes se afirma, no ministério sacerdotal não há uma identidade prévia, que apenas sucessivamente se declina nos deveres pastorais, ou uma santidade objetiva, que possa prescindir dos mesmos. Ao contrário, é exatamente no humilde, fiel e cotidiano exercício do ministério que cada sacerdote se vê renovar e constantemente se configurar a própria identidade e, com essa, fortalecer-se o caminho de ascensão e santificação. A cada Missa celebrada, o padre é mais padre! Por cada ovelha reconduzida ao aprisco, o pastor é mais pastor! Cresce a própria identidade de pastor e aumenta nele o perfume da santidade, que não é diferente do bom perfume de Cristo, que perfuma também as ovelhas.

Gostaria de fazer uma última referência à precisa escolha metodológica realizada pelo Diretório, de inserir a reflexão sobre o celibato sacerdotal (nn. 79-82) no interior da espiritualidade. Longe de reduzir a obrigação do celibato a uma dimensão arbitrária ou subjetiva, ou meramente canônica, a escolha pretende trazer à luz como o celibato é o sinal mais eloquente da unção do Espírito e a via mais eficaz de santificação pessoal do povo.

 

3. A formação permanente

Dois são os âmbitos que justificam e determinam a necessidade da formação permanente: aquele antropológico e aquele histórico-cultural.

O primeiro, aquele antropológico, nos recorda constantemente que cada um é limitado e pecador, que o homem, criado por Deus, que viu que era uma coisa muito boa, é ferido pelo pecado e, portanto, precisa constantemente de graças e daquelas ajudas naturais, que favorecem o acolhimento da graça sobrenatural.

Do ponto de vista histórico-social, as rápidas mudanças que vemos ao redor de nós, as transformações culturais e o que a Presbyterorum ordinis já há cinquenta anos definia como uma “situação radicalmente nova”, requerem a humilde consciência de que a formação não é adquirida de uma vez por todas, mas exige um itinerário permanente, o qual se traduz principalmente naquele “manter o coração aberto”, típico de quem escuta a voz do Senhor.

Também na dimensão da formação permanente, é fundamental o primado do sobrenatural e da graça. Com extraordinária força o recordou o Papa Francisco, afirmando que: “Não é, concretamente, nas auto-experiências ou nas reiteradas introspecções que encontramos o Senhor: os cursos de auto-ajuda na vida podem ser úteis, mas viver a nossa vida sacerdotal passando de um curso ao outro, de método em método leva a tornar-se pelagianos, faz-nos minimizar o poder da graça, que se ativa e cresce na medida em que, com fé, saímos para nos dar a nós mesmos oferecendo o Evangelho aos outros, para dar a pouca unção que temos àqueles que não têm nada de nada.” (Santa Missa do Crisma, 28 de março de 2013).

A formação permanente, então, é um verdadeiro e próprio instrumento de santificação, que a Igreja oferece aos seus presbíteros e que estes devem acolher como necessário e constante complemento à própria formação orgânica e completa. Também a formação permanente, como aquela inicial, é chamada a moldar-se segundo as quatro já clássicas dimensões: aquela humana, aquela espiritual, aquela intelectual e aquela pastoral, com particular atenção, em nosso tempo, ao primado da formação espiritual, resistindo a toda, sempre possível, redução intelectualista da formação e considerando a eficácia da proposta formativa à prova concreta da ação pastoral e do impacto sobre o povo. Essa prova não determina, entretanto, a redução da formação permanente a “técnicas” ou “estratégias pastorais”, mas, ao contrário, postula a sempre maior qualificação, afim que justamente a clareza sobre a identidade e sobre a missão do sacerdote possa levar abundantes frutos ao povo.

O primado da dimensão espiritual, além disso, caríssimos irmãos, sobretudo responsáveis pela formação permanente, é o que está particularmente no coração do Papa Francisco, que sabe bem como uma real renovação da Igreja e da eficácia missionária do anúncio não pode partir senão da renovação da dimensão espiritual e do primado por ela concretamente reconhecido.

 

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É este o grande horizonte que me estimulou a recolher algumas das minhas mais significativas intervenções dos últimos dois anos no livro “Padres na modernidade”, que pretende oferecer um instrumento de análise, síntese e, pois bem, de formação permanente para os sacerdotes.

De particular utilidade na coleção publicada, parece-me adequado indicar a Lectio magistralis pronunciada em Veneza no último mês de novembro, sobre a relação entre Igreja e modernidade, e a ampla reflexão histórica sobre o celibato sacerdotal no ensinamento magistral dos Pontífices dos últimos dois séculos, pronunciada em Ars.

Na primeira, foi proposto um dos temas cruciais no próprio apelo e celebração do Concílio Ecumênico Vaticano II.

Se somos conscientes de que um Concílio é sempre um evento sobrenatural, guiado pela ação do Espírito, não é possível não levar em conta que uma das instâncias, que determinou o apelo, foi representada pelo desejo de melhor compreender a “modernidade” e tentar superar o hiato que, com ela, se desenvolveu no decorrer dos séculos. O Papa emérito Bento XVI o recordou claramente na sua última conversa com o Clero romano, na qual afirmou: “Sabíamos que a relação entre a Igreja e o período moderno tinha sido, desde o princípio, um pouco contrastante, a começar do erro da Igreja no caso de Galileu Galilei; pensava-se em corrigir este início errado e encontrar de novo a união entre a Igreja e as forças melhores do mundo, para abrir o futuro da humanidade, para abrir o verdadeiro progresso” (Encontro com os Párocos e o Clero da Diocese de Roma, 14 de fevereiro de 2013).

Certamente não se propõem, no texto, soluções definitivas nem completas, mas, depois de uma análise histórica, filosófica e epistemológico-experiencial sobre o que é “modernidade”, tenta-se delinear qual pode ser a relação correta da Igreja e do sacerdote com a mesma, partindo do princípio hermenêutico performativo da Encarnação do Verbo, à luz do qual o cristão é chamado a sempre olhar toda realidade.

Em extrema síntese – vocês encontrarão mais no texto –, foi individualizada a estrada nobre do encontro interpessoal como via real de superação dos desencontros ideológicos; em definitivo, é a recuperação do concreto realismo cristão, contra todo sempre possível reducionismo ideológico, também ao interno da vida eclesial e sacerdotal.

Outra contribuição, à qual apenas aceno e que amigavelmente os convido a ler, é uma reflexão histórica, mas também – creio – profundamente ancorada sobre a beleza, sobre a eficácia pastoral e sobre a irrenunciabilidade do celibato eclesiástico na vida sacerdotal. Ele é acolhido e interpretado, acima de tudo, como imitatio Christi e real concretização daquilo que anteriormente defini, com grande Tradição eclesial, apostolica vivendi forma. Não se trata de uma norma fria, mas de uma exigência de um Amor maior, pelo qual “quem pode entender, entenda”.

É cada vez mais necessário, caríssimos irmãos, recuperar e fazer recuperar a todos os sacerdotes que nos são confiados, a dimensão da pobreza virginal, que é a virgindade no acolher a vontade de Deus mais do que a própria, virgindade no servir aos irmãos como Deus e como a Igreja quer, mais do que segundo o próprio e subjetivo critério, virgindade no acolher a Verdade revelada e no fazer teologia segundo a imprescindível dimensão eclesial de tal serviço e, por último, mas principalmente, virgindade como radical e totalizante pertença a Deus, ao serviço do qual fomos chamados, para a nossa santificação e a dos irmãos.

A Virgem do “sim”, cheia de graça, acompanhe o caminho do Diretório, que com tanto amor a Congregação para o Clero procurou atualizar e, mais modestamente, acompanhe também o caminho do texto “Padres na modernidade”.